quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Matéria com Murray Spivack na Modern Drummer (1985)

A única entrevista feita com o mestre Murray Spivack pela Modern Drummer norte-americana ocorreu em 1985. Traduzi esta entrevista agora para o Português.



MURRAY SPIVACK
Por: Dave Levine
Revista Modern Drummer (americana), Março 1985
Tradução: Christiaan Oyens ( chris.oyens@gmail.com )


“Considero o Murray um dos maiores professores de todos os tempos. Ele realmente me colocou na linha!” – Louie Bellson
“Murray é hoje, com certeza, um dos melhores professores. Ele me ajudou demais.” – Chad Wackerman

Para que bateristas separados por 3 ou 4 gerações tenham tamanha admiração por um professor, ele tem mesmo que ser especial. Ele tem que estar ativo dando aulas pelos últimos 50 ou 60 anos e tem que ter prática e destreza em como repassar este conhecimento. Longevidade apenas não faz com que alunos venham bater à sua porta.
Certamente, o “insight” de Murray Spivack cobre muitas décadas. Ele nasceu em 1903 (isso mesmo, ele acaba de fazer 80 anos), mesmo assim sua mente permanece lúcida - mais lúcida possivelmente que a maioria dos talentosos bateristas que o procuram. Por baixo de seus cabelos brancos e por trás de seus olhos azuis brilhantes, está um dos mais respeitados, se não venerados, professores de bateria de Los Angeles. Mesmo que sua aparência possa enganar um aluno à primeira vista, estejam certos que ele pode intimidar qualquer um com o cair de uma baqueta, enquanto ele energicamente exige progresso até dos mais talentosos.
Os estudos de Murray começaram em Nova Iorque com músicos como Carl Glassman (timpanista da Orquestra Sinfônica de Nova Iorque), Dave Gusikoff (que tocava caixa clara no Capitol Theatre) e George Hamilton Green (virtuoso de xilofone e vibrafone). Naquela época, Billy Gladstone tocava bumbo e pratos; Sanford Moeller era o baterista da banda de John Phillip Sousa e estava começando a ensinar quem viria a ser o professor de Buddy Rich, Henry Adler.
Como jovem percussionista nos anos ’20, Murray foi contratado como o principal baterista do Strand Theatre e fazia parte do staff na estação de rádio WOR. Ele dava aulas num estúdio no quarto andar do Teatro Gaiety na rua 46 com a Broadway. Junto com o conhecimento e experiência que ele estava adquirindo, Murray estava também ganhando bastante dinheiro. Até o fim dos anos ’20, ele estava ganhando de 400 a 500 dólares por semana, uma quantia que até hoje em dia muitos bateristas sonham em ganhar.
Infelizmente, ele estava tão ocupado trabalhando que nem teve tempo de gastar um pouco deste dinheiro. Em 1929, quando a RKO Pictures lhe ofereceu um contrato de seis meses para trabalhar em Hollywood, Murray e sua esposa vislumbraram com esta oportunidade as tão aguardadas férias. Eles compraram um carro e seguiram para Los Angeles, onde Murray acabou se tornando o chefe do departamento de efeitos sonoros para a RKO. Seu contrato foi renovado por mais 6 meses, mas , supondo que eventualmente retornariam, os Spivacks mantiveram seu apartamento em Nova Iorque.
Em 1930, porém, a depressão econômica estava declarada. Os teatros em Nova Iorque estavam fechando e a indústria do cinema na Califórnia em plena expansão. Murray agora era gerente de negócios de todo o departamento musical da RKO e iniciando a trilha musical para King Kong. Quando Kong e a economia foram parar nas calçadas de Nova Iorque, Murray concluiu que o seu futuro residia em Los Angeles.
Em 1938, ele foi contratado pela 20th Century Fox onde acabou trabalhando em trilhas de musicais como “Oklahoma”, “South Pacific”, “My Fair Lady” e “The Sound of Music”. Sua tremenda habilidade como engenheiro de som lhe rendeu várias indicações a prêmios da indústria cinematográfica, incluindo uma por “Tora, Tora, Tora”, e em 1969, ele recebeu um Oscar pelo seu trabalho em “Hello Dolly!”.
Enquanto a sua carreira como engenheiro ganhava expressão, ele percebeu que ficava cada vez mais distante da sua bateria. Para ajudá-lo a manter suas mãos em forma, Murray começou a receber alunos. Ele imediatamente começou a ganhar reconhecimento na cidade como um professor competente de bateria. No início dos anos ’40, músicos como Walt Goodwin e William Kraft (ambos no futuro ganhariam posição fixa na seção de percussão da Filarmônica de Los Angeles) estavam estudando com Murray. Em 1942, um jovem Louie Bellson trabalhava em San Diego e viajava para Los Angeles para estudar com Murray.
“Quando Louie me procurou, eu vi que ele tinha talento,” diz Spivack. “Mas, eu disse para ele que ele estava fazendo algumas coisas que eu não concordava. Isto o impressionou, pois qualquer outro professor que ele tinha procurara na época lhe dizia, ‘Você é o maior; não há nada que eu possa lhe ensinar.’
A lista de alunos de Murray, durante as décadas de ‘50 e ’60, incluía alguns dos bateristas que viriam a se tornar bem sucedidos nas orquestras e bandas dos grandes hotéis do Las Vegas strip; bateristas como Joey Preston, Gordon Fry e Roger Rampton. Aquela época também trouxe para o estúdio de Spivack em Hollywood músicos como Wally Snow, Ralph Collier, Chet Ricord, Alvin Stoller, Chuck Flores, Frank Epstein e Remo Belli.
Recentemente, Gordon Peake, Gary Ferguson, Mark Sanders, Carlos Vega, Bill Carpenter, Bob Economou e Chad e John Wackerman são alguns dos alunos que Spivack vêm formando em seu estúdio. Desde a sua aposentadoria da indústria do cinema em 1972, Murray não reduziu nem um pouco a sua atividade como professor de bateria. Sua agenda de aulas está cheia e ele mantém uma lista de espera de alunos que aguardam uma oportunidade para estudar com o mestre.
O que faz com que músicos bem sucedidos freqüentem o seu estúdio? “Eles me procuram para que suas mãos entrem em forma,” responde Murray, “Um pianista consegue sair e tocar com uma banda apos 6 meses de estudo? Que tal um violinista ou trompetista? Se você quer tocar bateria, tem que estudar o instrumento como se fosse qualquer outro. Eu já tentei todo e qualquer atalho que você possa imaginar e veja que tive tempo para testar todos, mas não funcionam. Testei quase todos antes do nascimento da maioria destas pessoas.
“Todo mundo hoje é um professor de bateria! Ninguém explica nada para os bateristas. Ninguém se preocupa com os fundamentos. Conseqüentemente, eu tenho que pegar alunos que tocam há muitos anos e começar tudo de novo com eles. Isto acontece porque eles nunca cobriram os básicos – como segurar um par de baquetas, como fazer um toque. Eles não tem a menor idéia de como tocar o instrumento.
“Tocar bateria diz respeito à física; diz respeito a como funcionam os nossos músculos,” continua Murray. “A interpretação musical vêm depois de você conquistar a parte mecânica. Eu não quero que os bateristas copiem o meu estilo. Eu quero que eles peguem o meu conhecimento para que depois sim desenvolvam o seu próprio estilo. Dave Garibaldi, por exemplo, me envia alunos – não para estilos, mas para que eu trabalhe suas mãos e aí sim, eles voltem a ele e consigam tocar o que ele está tentando lhes passar.
“Eu ensino os básicos para os meus alunos, quer eles queiram aprender isto ou não e sinceramente não dou a mínima para o que eles gostam ou deixam de gostar. Eu nunca sei onde um músico pode estar daqui a 10 ou 15 anos, portanto cabe a mim dar ao aluno todo o contexto.”
“Todo o contexto” é uma abordagem abrangente e disciplinada que Murray desenvolveu em sua prática como professor ao longo dos anos, observando bateristas e sendo extremamente analítico. Muito do estudo é passado aperfeiçoando o toque e a maior parte da instrução é feita num único pad de borracha. A filosofia Spivack é que o baterista só irá ganhar maestria no instrumento quando ele obter absoluto controle da velocidade, força e direção da baqueta. É relativamente fácil entender a lógica por trás desta filosofia. Aplicá-la nem tanto.
“Tocar bateria é o toque simples, o toque duplo e o flam. Isto é tudo que temos,” diz Murray. “O resto é uma questão de seqüências, o que segue o quê e o que precede o quê.”
Livros são usados para reforçar e dar apoio à continuidade no progresso do aluno. Spivack pega o que ele acha que existe de melhor em cada livro. “O ‘bê-á-bá’ não se encontra no fim do livro. Normalmente está nas primeiras paginas,” ele diz. “Eu prefiro os livros mais simples e antigos. Eu tenho muitos dos métodos novos, mas para mim eles andam rápido demais.”
Stick Control e Accents & Rebounds do Stone; Standard Snare Drum Method do Podemski; The Flocton Method por White, Portraits in Rhythm por Cirone; 4/4 Reading Text e Odd Time Reading Text por Bellson e Breines; Rudimental Swing Solos por Wilcoxon; Kleine Trommel por Eckhardt Kuene; e Rhythmic Patterns por Whaley e Mooney são os livros que Murray mais cobre com seus alunos.
Murray não escreveu nenhum livro pois, “Você ensina observando. O professor tem que ser capaz de detectar o que está errado e corrigir aquilo em cada aluno. É impossível colocar esse princípio no formato de livro.”
A instrução começa com os rulos executados como semicolcheias – duas viradas de pulso em cada mão com a marca do metrônomo igual a uma semínima. O andamento começa em 40 e vai até 138 BPM. O rebote é conduzido como um exercício separado começando em 72 e terminando em 208 BPM.
Entre a velocidade mais rápida do pulso e a mais lenta do rebote estão os chamados “pontos de transição”. Ali o baterista muda do pulso para o rebote na mesma velocidade. O desenvolvimento destes pontos de transição é fundamental para facilitar o controle das baquetas.
Os conceitos dos toques de subida e descida são introduzidos para o aluno por via dos flams. Na verdade, o aluno já os vinha usando nos acentos dos rulos, só que sem se dar conta, pois o conceito ainda não tinha sido explicado. “Você não precisa contar para o aluno mais do que ele precisa saber. Às vezes, o que você não conta para ele é tão importante quanto o que você conta, “ explica Murray.
Ruffs e drags são ensinados chamando a atenção para a relação dos mesmos com o rulo de 7 toques. Os toques de subida são ensinados como uma medida para reduzir o número de movimentos com o pulso e como uma forma de desenvolver velocidade.
Quando os alunos chegam ao exercício 1 da 10a página do livro Stick Control, eles começam a trabalhar no rulo de toques simples. Tocando semifusas com o metrônomo marcando a semicolcheia, aos poucos, eles vão trabalhando a velocidade até atingirem a marca de 208 BPM. Gradativamente, os toques de dedo são introduzidos “como um complemento, não como substituto para as técnicas de pulso.”
Na medida que cada toque é aperfeiçoado, os princípios fundamentais são explicados. Uma parte integral da visão de Murray é sua crença de que o cérebro é a parte do corpo mais importante para desenvolver no aluno. “Se eu quisesse desenvolver os meus braços eu compraria uns halteres e pesos,” ele brinca. “Eu não tentaria isso com um mísero par de baquetas! Você ensina o cérebro, você fala para a sua cabeça e sua cabeça repassa para as suas mãos o que elas devem fazer.”
Murray acredita piamente que todo aluno deve ser encorajado a questionar e desafiar o que seu professor lhe disser. O professor deve ser capaz de provar o mérito no curso de estudo de cada aluno. “O respeito na relação aluno/professor é resultado da insistência de provas concretas por parte do aluno e a capacidade do professor em providenciá-las.” Murray explica, “Os bateristas deveriam ter razões claras para fazerem o que fazem. Você não tem como me vender algo isento de bom senso. Antes de lhes passar qualquer material, o conteúdo tem que fazer sentido para mim e para os alunos também. Tenho que dar provas concretas de tudo o que lhes digo.
“Um professor diz, ‘Faça isto’, e o aluno nem ousa questionar esta didática. Isto é tão estúpido quanto se eu lhe disser, suba no telhado e pule. Você teria todo o direito de perguntar, ‘Antes de eu quebrar o meu pescoço, você poderia me dizer por que está me pedindo para pular? Pelo menos me diga por que o estaria fazendo.’
“Sinto que a maioria dos alunos são pessoas inteligentes. Estão procurando por informação. Se um aluno não toca algo direito, eu culpo a minha explicação. Normalmente, se presume que os alunos entendem, mas não é sempre assim. Se eles entendem, eles executam; se eles não entendem, eles não executam. É simples assim.
“É por isso que tenho que demonstrar o mesmo grau de entusiasmo com cada aula que ministro. Tenho que tratar cada aula como se fosse a primeira. Eu tenho que fazer os alunos acreditarem que cada aula é a aula mais importante de sua vida. Se não, eu posso estar falando com eles e eventualmente perceber que eles sequer ouviram uma palavra do que eu disse.”
Murray recebe cada aluno durante um hora de 15 em 15 dias. Ele coloca grande parte da responsabilidade na melhoria em cima do aluno. Se os alunos não estudam, “Eu me livro deles. Se eles não assumem o compromisso de melhorarem 75% pelo menos, eu não os aceito. Se um aluno não está disposto a voltar e trabalhar nos básicos, eu lhe digo, ‘Ei, não fui eu que lhe procurei’”. Esta filosofia dura, livre de concessões tem funcionado por mais de 50 anos.
“A questão do aluno seguir em frente e ter uma carreira de sucesso como músico, ou não, pouco importa,” Murray conclui. “A única satisfação que posso vir a ter como professor é que os alunos entendam o que lhes ensinei. Um professor é bem sucedido quando seus alunos aprendem.”

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